segunda-feira, 28 de março de 2022

POR QUE ALFABETIZAR A PARTIR DE TEXTOS

ELAINE ASSOLINI17 JUL 2019 12H10 https://www.revide.com.br/blog/elaine-assolini/por-que-alfabetizar-partir-de-textos/ Segundo a pesquisadora Orlandi (1999), “o texto é uma unidade significativa”. Ao fazer essa afirmação, a autora destaca que tanto a ordem da língua quanto a história constituem um texto. Enquanto unidade significativa, um texto faz sentido para o estudante, ao contrário de frases soltas, desarticuladas e descontextualizadas. É importante observar que muitas cartilhas e livros didáticos de português trazem pseudotextos, ou seja, frases que não se articulam, que não se concatenam e, por isso, não formam uma unidade significativa. Se o professor se deparar com um material com tais características deve deixá-lo de lado, pois ferramentas didáticas como essa não contribuem com a construção de conhecimentos linguísticos, por parte dos alunos. Para Orlandi (1999) o texto é sempre heterogêneo. Assim, podemos observar textos de diferentes materiais simbólicos: imagem, grafia, som etc. É possível notarmos, também, quanto à natureza das linguagens: oral, escrita, científica, literária, narrativa, descritiva, dissertativa etc. Em um mesmo texto o sujeito do discurso pode ocupar diferentes posições, podendo falar do lugar de mãe, de professor, de funcionário, por exemplo. Todos esses elementos precisam e devem ser explorados pelo professor alfabetizador. É importante frisar que o trabalho pedagógico a ser desenvolvido com textos em sala de aula, pelo professor, não pode se esgotar em uma única aula, dependendo do texto. Há aqueles que irão exigir muitas (re)leituras, retomadas e (re)significações, não podendo dar-se por concluídos a partir do trabalho em um único dia ou período. O trabalho pedagógico com o texto exige idas e vindas, leituras e releituras, significações e ressignificações – quanto mais rico for o texto, mais tempo e trabalho de exploração e de significação devemos a ele dedicar. Na perspectiva do discurso, o texto é lugar de jogo de sentidos, de trabalho da linguagem, de funcionamento da discursividade (Cf. ORLANDI, 1983, p. 204-205). Nessa linha de pensamento, é pertinente lembrar que em todo texto haverá tensa relação entre o processo parafrástico de linguagem e o processo polissêmico de linguagem. Caberá aos interlocutores, que são sócio-historicamente determinados, privilegiar um ou outro no processo de produção de sentidos. É preciso lembrar também que, de acordo com o enfoque discursivo, um texto é sempre pensado à luz das condições de produção, isto é, a partir da consideração do contexto sócio-histórico-cultural e ideológico de maneira ampla, bem como a partir de condições imediatas de enunciação. Assim, fatores como quem escreveu, quando escreveu, o que escreveu, como escreveu, para quem escreveu, com que finalidade escreveu são importantes para o processo de atribuição, produção de sentidos e compreensão textual, uma vez que assinalam o funcionamento da discursividade. A consideração da exterioridade – isto é, dos fatores acima mencionados – faz com que o trabalho pedagógico com textos tenha significado para o estudante e para o professor, uma vez que se está lidando com um objeto simbólico-histórico contextualizado. Com isso, as formações discursivas presentes no texto e as formações ideológicas às quais essas se remetem podem ser acionadas e analisadas. Outro elemento importante a ser abordado quando pensamos sobre o texto diz respeito à intertextualidade. De acordo com Indursky (2001, p. 30), “a intertextualidade aponta não apenas para o efeito de origem, quando trabalha com a noção de discurso fundador, mas aponta igualmente para outros textos que se inscrevem na mesma matriz de sentido”. Ainda para a autora, “as relações interdiscursivas aproximam o texto de outros discursos, remetendo-o a redes de formulações tais que já não é possível distinguir o que foi produzido no texto e o que é proveniente do interdiscurso” (INDURSKY, 2001, p. 31). A citada autora destaca também que a intertextualidade pode ser compreendida como “a retomada/releitura que um texto produz sobre outro, dele apropriando-se para transformá-lo e/ou assimilá-lo” (INDUSRLY, 2001, p. 30). O trabalho pedagógico com a intertextualidade pode e deve ser realizado regular e frequentemente. É muito importante que os estudantes saibam e compreendam que os textos têm uma origem possível. Dependendo dos conhecimentos do professor, de seu arquivo, as relações intertextuais poderão ser estabelecidas produtiva e generosamente. Contudo, se o arquivo do professor for marcado por lacunas e ausências, tornar-se-á difícil instigar os estudantes a estabelecer e construir relações intertextuais. Orlandi (2006) explica que o texto é um objeto linguístico-histórico com começo, meio e fim, sendo tarefa do analista de discurso compreender como esse produz sentido, o que implica compreender tanto como os sentidos funcionam nesse quanto a maneira como pode ser lido. Tomado como discurso, “o texto é uma peça de linguagem de um processo discursivo muito mais abrangente” (ORLANDI, 1999, p. 117). Como toda peça de linguagem, como todo objeto simbólico, o texto é objeto de interpretação, a qual, de acordo com o enfoque discursivo, nunca é finita, nunca se encerra em definitivo. Sempre haverá outros sentidos a serem atribuídos e produzidos, posto que os sujeitos enunciam de diferentes posições, das condições de produção onde se dá a formulação de seu discurso e a partir das formações discursivas nas quais se inscrevem. Os sentidos, portanto, podem ser inúmeros e nunca poderão ser tratados como se fossem limitados ou circunscritos. Alfabetizar a partir de textos oferece ao professor a possibilidade de trabalhar com uma “peça de linguagem” (ORLANDI, 2006, p. 117) que possui historicidade, um objeto simbólico à espera de atribuição e de produção de sentidos, bem como do entendimento a respeito da maneira pela qual são produzidos sentidos. A Análise de Discurso – em especial se considerarmos os trabalhos de Orlandi (1983, 1999, 2006) – esclarece que, ao produzir sentido, o sujeito se produz, ou melhor, o sujeito se produz produzindo sentido (ORLANDI, 2006, p. 114). Sujeito e sentido são, portanto, inseparáveis. Vale notar que são incompletos, assim como a linguagem. Sendo assim, por mais que queiramos ou tentemos dizer “tudo”, sempre nossos dizeres estarão em aberto, marcados por lacunas, brechas, vazios. Não há como alcançar a completude do dizer. Como diz Guimarães Rosa (1968, p. 185), “pela língua começa a confusão”. Profa. Dra. Elaine Assolini Referências INDURSKY, F. Da heterogeneidade do discurso à heterogeneidade do texto e suas implicações no processo da leitura. In: ERNEST-PEREIRA, A.; FUNCK, S. B. (Orgs.). A leitura e a escrita como práticas discursivas. Pelotas: Educat, 2001. p. 27-42. ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 1999. ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 4. ed. Campinas: Pontes, 2006. ROSA, J. G. Tutaméia: terceiras estórias. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968.

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