Pensando: Seleção e estruturação de conteúdos

Pensando: Seleção e estruturação de conteúdos José Domingos Oliveira Kelly Chrystine Guedes Levy 1. Seleção e estruturação de conteúdos “A verdadeira jornada de descoberta não consiste em ver novas paisagens, mas em vê-las com novos olhos” (Marcel Proust) A concepção curricular é constituída por um conjunto de decisões articuladas, de modo que as opções adotadas nas fases anteriores condicionarão as adotadas nas seguintes. Em todo o caso, embora as fases se sigam e avancem, como conjunto integrado permite e exige o retrocesso para recuperar sentido, rever essas previsões iniciais e qualificá-las ou modificá-las se necessário. Ao longo do desenvolvimento de todo o projeto, deve prevalecer um espírito aberto e sistémico, que nos permite arranjar constantemente as peças do conjunto. Neste módulo vamos trabalhar os tipos de decisões que o professor deve tomar no tratamento curricular dos conteúdos e são várias as questões que teremos que contemplar: • Qual é o problema que se debate hoje em torno deste importante e questionado elemento curricular? • Como estabelecer uma organização funcional dos conteúdos que por sua vez se integra nos restantes elementos curriculares? • Que tipo de decisões o professor deve tomar ao trabalhar nesta fase do projeto e com quais critérios? O tema de conteúdos de ensino é outra área do currículo que está em permanente debate. Falar de conteúdo não é apenas referir-se ao que ensinar, não é apenas fazer o Programa Oficial e ver o que é exigido em cada disciplina, mas envolve colocar-se em uma plataforma de decisão condicionada por uma série de posições prévias sobre o que é a escola, para quê, que peso deve adquirir cada disciplina e com que atitude devemos abordar o conhecimento. 1.1. Problemas em relação ao conteúdo No que diz respeito à concepção desta fase, surge a questão: temos algum tipo de fundamento lógico para legitimar as decisões no processo de elaboração e desenvolvimento dos conteúdos curriculares? Os conteúdos educacionais são construções sociais e não se pode pensar que haja uma resposta única para cada situação. Portanto, a questão é esta: que tipo de problema estamos enfrentando? Gimeno Sacristán (1992) pensa que a consideração das seguintes premissas pode nos ajudar a definir nossa atitude em relação ao conteúdo: • Os tópicos curriculares são de natureza prática e devem ser resolvidos em contextos específicos. • Existem várias maneiras de resolvê-los que não são equivalentes. • São problemas apresentados como incertos porque estão ligados a situações únicas. • O beneficiário do currículo não é um aluno ideal, mas incorporado a uma cultura. Portanto, o problema fundamental na elaboração de um currículo não é ver em que racionalidade científica ele se baseia, mas estabelecer os procedimentos mais aceitáveis na deliberação que deve ser seguida na sua configuração. 1.1.1. Rumo a uma definição de conteúdo O problema de definir o que é o conteúdo do ensino e como decidi-lo é um dos aspectos mais conflituosos da história do pensamento educacional e da prática docente. O próprio conceito de conteúdos curriculares já é interpretável e isso porque responder à questão de quais conteúdos devem ocupar o tempo de ensino implica esclarecer qual a função que queremos que cumpram em relação aos indivíduos, com a cultura herdada, com a sociedade em que somos e com as quais aspiramos alcançar. Em uma primeira aproximação, podemos dizer que em nossa proposta vamos utilizar o termo conteúdos em um sentido muito mais amplo do que é usual nas discussões pedagógicas. Na realidade, os conteúdos designam "o conjunto de saberes ou formas culturais cuja assimilação e apropriação pelos alunos é considerada essencial para o seu desenvolvimento e socialização" (Coll, 1992 p. 13). A tarefa do professor consiste em "ajudar os alunos a entrarem na comunidade de conhecimentos e habilidades, para proporcionar-lhes algo que os outros já sabem” (Stenhouse, 1987 p. 31) e a missão da escola seria” colocar à disposição da criança ou adolescente uma seleção de elementos intelectuais, emocionais e técnicos que a sociedade tem "(Stenhouse, 1987, p. 31). Assim, vista o ensino, a escola passa a ser distribuidora de conhecimento, e não fabricante dele. As disciplinas ministradas têm seu ponto de referência fora da escola. Esses corpos de conhecimento são chamados de "disciplinas acadêmicas". Vamos designar essa capital com o termo “cultura”. Para Parsons, cultura como produto da interação social é o aprendizado que se dá ao participar do sistema de comunicação de um grupo, é dessa cultura que as escolas extraem o conteúdo da educação. Nesse sentido, Stenhouse afirma: “é peculiar aos grupos educacionais apresentar uma cultura que tem uma entidade fora do grupo e não se origina nele. A educação existe para fornecer aos indivíduos acesso a grupos culturais que estão fora dos seus ”(p. 33). Aqui surge a grande questão pedagógica em relação a este tema: "como fazer o grupo de alunos, constituído em grupos de aprendizagem, agir de forma colaborativa e frutífera de acordo com as culturas que a escola lhes oferece, de forma que ganhem em realismo e proporcionar satisfação” (Stenhouse, p. 34). Gimeno Sacristán (1992) considera que a cultura deve ser entendida “mais em termos antropológicos do que em termos acadêmicos”. Em termos acadêmicos, refere-se à cultura especializada, refere-se a “conhecimentos e habilidades pertencentes às áreas do conhecimento que são cultivadas nas instituições de ensino superior.” Em termos antropológicos, a cultura inclui muito mais, é “a conjunção de significados, convenções, crenças, comportamentos, usos e formas de se relacionar com grupos humanos ”. Nas salas de aula há mais do que comunicação de saberes de "alta cultura", aí se dá todo um processo de socialização dos alunos e os conteúdos do currículo real são justamente os dessa socialização. Intervir no currículo real significa abrir-nos a ele. dimensões ocultas, para uma realidade muito mais complexa de compreender e mais complicada de governar, como diz Gimeno Sacristán (1992): “torna o conceito mais confuso e impreciso, mas mais adequado para compreender a realidade” (p. 155). Considerar os conteúdos desta dimensão torna complexa a tarefa de tomar decisões sobre eles, ao mesmo tempo que amplia seus elementos. O seguinte parágrafo de Gimeno Sacristán resume claramente este problema: Se mudar o ensino e a aprendizagem dos alunos é substituir alguns tópicos por outros, adicionar ou remover conteúdos ou disciplinas, modificar livros didáticos, etc., (...) seria um significado de mudança curricular ou melhoria da qualidade de um ensino pouco exigente. Se, por outro lado, os novos conteúdos ou as substituições implicam melhorias na atitude perante o conhecimento, compreender o seu valor formativo de outra forma, atentar para a assimilação que os alunos fazem, ver na aprendizagem um processo de construção de significados, ligar os Experiências anteriores e aprendizagens dos alunos com os conhecimentos elaborados, ou realizando novas atividades para aprender de outra forma, então a mudança necessária é mais exigente. É preciso ver o que as coisas e as condições precisam mudar para que essas práticas sejam realmente transformadas. (Gimeno Sacristán, 1992 p. 163) 1.1.2. Currículos expandidos: em direção à integração O conceito de conteúdo pedagógico deve ser entendido como uma construção social e não dar-lhe um sentido estático ou universal. O conteúdo foi mudando ao longo do tempo. O que se ensina, o que se sugere ou se obriga a aprender expressa os valores e as funções que a escola dissemina em um determinado contexto social e histórico. O termo conteúdos é nos apresentado carregado de um sentido bastante intelectualista e culturalista, típico de uma tradição dominante de instituições escolares nas quais foi forjado e utilizado. Eles têm sido entendidos como resumos da cultura acadêmica que compunham os programas escolares divididos em disciplinas ou disciplinas. A ampliação ou ampliação das facetas educacionais a serem atendidas pela escolarização em qualquer fase, têm levado à utilização do termo conteúdos curriculares com um sentido muito amplo, abrangendo todos os fins de escolarização de um determinado nível e as diferentes aprendizagens que os alunos obter na escola. Os conteúdos compreendem toda a aprendizagem que os alunos devem alcançar para progredir nas direções que marcam os objetivos da educação em uma etapa da escolarização em qualquer área, para a qual é necessário estimular comportamentos, adquirir valores, atitudes e habilidades de pensamento, além de conhecimento. (Gimeno Sacristán, 1992 p. 173) Expandir o conceito de conteúdo didático para objetivos com um significado menos claro do que o de “síntese do conhecimento acadêmico”, confere ao conteúdo um caráter difuso e borrado. Isso implica que a certeza dos procedimentos pedagógicos para alcançá-lo é menor e os critérios para saber se está progredindo de forma adequada em relação ao objetivo planejado são menos claros. Há um sentimento geral sobre o que entendemos por domínio de operações matemáticas, por exemplo, mas o que entendemos por sociabilidade, educação afetiva, desenvolvimento pessoal, comportamento independente, pensamento crítico e coisas do gênero? Essas aprendizagens vão além da transmissão de conhecimentos e respondem antes a um modelo de homem e cidadão. Quando nos referimos à formação de um profissional com determinadas características, ou nos referimos a um certo “tipo humano”, estamos falando de cultivar uma gama de facetas que devem ser incluídas no conteúdo, estamos falando de uma formação que aspira a servir à ideia de totalidade da pessoa, contra a limitação de servir apenas à transmissão do conhecimento intelectual. Essa condição integral do currículo tem consequências quando se trata de pensar, projetar, desenvolver e avaliar currículos. Se a função da educação atinge toda a personalidade e não consiste apenas em transmitir conhecimentos, o currículo também tenderá a ser totalizante nos aspectos que pretende abranger e nas condições e meios para desenvolvê-lo. Esses conceitos nos levam a ter que repensar as condições em que a experiência educacional é realizada. Este princípio obedece ao facto de, na formalização dos conteúdos, incluirmos outros componentes que não se esgotam no conhecimento e que se referem a capacidades, competências e atitudes. As instituições de ensino superior encontram muitas condições para implementar esse conteúdo expandido e desfocado. Como a emissão de diplomas vinculados ao exercício de profissões está vinculada ao sistema escolar, os currículos vivenciam as pressões do mundo do trabalho e dos consumidores de educação. O mundo da produção gera uma infinidade de carreiras e especialidades configuradas como profissões que se delimitam, se fortalecem e se legitimam em grande parte por um determinado tipo de conhecimento que é valorizado como preparatório para elas em termos de produção. Esse conhecimento está orientado antes para o como e não para o quê, em detrimento da formação de pessoas para o profissional. Aqui entramos em outro ponto interessante de debate: que tipo de profissional estamos formando?

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