A guerra e o meio ambiente
Maurício
Andrés Ribeiro - Autor dos livros "Ecologizar, pensando o ambiente
humano" e "Tesouros da Índia para a Civilização Sustentável".
As atividades humanas produzem impactos ambientais
sobre o ar, a água de superfície ou subterrânea, o solo, o subsolo, a paisagem
natural, o ambiente construído, o ambiente sócio-econômico e cultural. Causam
impactos no ambiente a ação produtiva por meio da indústria, da mineração ou da
agricultura; a ação individual ou coletiva, pública e privada e a ação militar.
Para muitas das atividades humanas, a consciência
ecológica ajudou a criar práticas de redução ou de minimização desses impactos
negativos. Leis foram aprovadas e instituições, estruturadas. Criaram-se
procedimentos e ferramentas como a avaliação de riscos ambientais e o
licenciamento ambiental, que contribuem para prevenir, reduzir ou mitigar tais
efeitos ambientais negativos. Entretanto, esses cuidados ainda não foram
estendidos à atividade humana potencialmente mais degradante e devastadora do
ambiente: a atividade da guerra. Dentre todas, essa é a que tem o maior
possibilidade de gerar consequências negativas e sofrimento para as pessoas e
para o meio ambiente. "De uma maneira geral genocídio e ecocídio são
gêmeos", observa Ignacy Sachs.
O alto impacto ambiental negativo das guerras
encontra-se presente em todo o ciclo de vida dos conflitos armados: da extração
das matérias primas para a indústria de armamentos, passando pelo uso e
aplicação desses equipamentos, até a sua disposição final, constituída pelos
resíduos atômicos, químicos e bacteriológicos. Isso sem falar nas consequências
funestas dos atos de terrorismo ou nos impactos do uso de armas biológicas nas
guerras convencionais como na possível propagação intencional do botulismo, da
varíola e do antraz ou no desmatamento ocasionado pelo napalm e outras armas de
guerra. O urânio usado nas balas contamina o ambiente com radioatividade e
dissemina o câncer e outras doenças. A contaminação dos rios e a perda de
potencial de uso do solo pela disseminação das minas terrestres, que mutilam
pessoas e animais, ou o uso da bomba de nêutrons - a chamada "bomba
capitalista", porque destrói a população mas preserva o patrimônio
material - , são outros exemplos da destrutividade e do potencial de devastação
e contaminação ambientais causados pelas atividades bélicas.
Além disso, ao lado do consumismo, o belicismo está
na raiz da pressão sobre os recursos naturais, transformados pelo complexo
acadêmico-industrial-militar em artefatos bélicos de alto potencial destrutivo.
As guerras globais se desatualizaram. Proliferam
hoje guerras de menor escala, regionais, guerras civis nacionais, atos de
terrorismo como forma extrema de questionamento do poder político organizado,
conflitos interindividuais e psicológicos. O emprego da força e da violência
tem, ainda, custos psicológicos e subjetivos importantes e nem sempre
considerados, retardando ou prejudicando o desenvolvimento do ser humano
integral devido ao ódio, aos ressentimentos e mágoas que provocam e
multiplicam.
Assim, já é chegado o momento de que os princípios,
métodos e instrumentos utilizados para mitigar ou neutralizar os impactos
negativos das demais atividades humanas tenham sua aplicação estendida à
atividade da guerra. Procedimentos como as avaliações de impacto ambiental e o
licenciamento ambiental deveriam ser mandatórios e objeto de pactos
internacionais obrigatórios, visando ao bem da humanidade, sempre que esteja em
jogo a possibilidade de iniciar-se uma ação bélica potencialmente degradadora
ou poluidora do ambiente. Isso ajudaria a desenvolver a consciência global a
respeito das conseqüências desse tipo de ação, com a cuidadosa avaliação prévia
dos seus impactos. O licenciamento ambiental das guerras deveria contemplar,
entre outros, os impactos bióticos, antrópicos e físicos desses eventos e, somente
depois de detalhada e cuidadosa avaliação de riscos, elas deveriam ser matéria
de discussão nacional e internacional. A aplicação rigorosa dos procedimentos
de avaliação prévia de impactos ambientais às atividades bélicas poderia levar,
no limite, à sua inviabilização, seja pelo exorbitante aumento de seus custos,
que incluiriam os necessários recursos para recuperação da degradação que
viessem a causar, seja pela consequente ampliação do tempo para a busca de
consenso em torno a sua necessidade e para seu eventual preparo. Nessa fase,
inclusive, poderiam e deveriam ser colocadas em prática todas as maneiras e
técnicas diplomáticas e de mediação e resolução não-violenta de conflitos, com
vistas a evitar os embates bélicos.
As ideias aqui expostas contêm, certamente, um
forte conteúdo utópico, considerando-se o momento histórico presente. Mas
merecem ser consideradas, posto que todas as guerras constituem um fator
destrutivo para o ambiente e para o ser humano. As guerras só serão abolidas
quando se tornarem psicologicamente intoleráveis, da mesma forma como a
abolição dos escravos, que somente veio a acontecer quando a escravidão
tornou-se socialmente intolerável, além de economicamente desejável, já que a
libertação dos escravos traria impacto altamente positivo para o mercado
consumidor.
Na fase atual da evolução humana, a ética social
costuma seguir os valores mercantilistas e capitalistas. A civilização
ocidental norte-americana e européia, de raízes judaico-cristãs, foi central no
processo cultural do século XX, mantendo interações fortes com praticamente
todas as demais civilizações modernas. Tais interações, entretanto, têm sido
mais conflituosas do que cooperativas, em decorrência da história de
colonização, imperialismo e dominação, que procurou garantir o acesso e
apropriação de bens necessários para abastecer essa civilização com recursos
naturais provenientes de todo o planeta e demandados para alimentar padrões de
consumo e estilos de vida que se mostram insustentáveis e que dependem de
grande quantidade de bens materiais. Atualmente, a crescente pressão sobre os
recursos naturais como a água, a flora e fauna, o solo, as florestas e
especialmente o petróleo, base da matriz energética da civilização
contemporânea, potencializa também o risco de conflitos e de propagação da
violência entre as sociedades e grupos sociais.
Nesse contexto, o próprio poder de degradação
ambiental das guerras poderá tornar-se um fator adicional que acabará por levar
à sua abolição, como forma de resolver conflitos, num estágio mais avançado de
evolução da espécie humana.
1 - Tal processo histórico levou à presente situação, na qual 22% da população do planeta consomem 80% dos recursos, 75% da energia e 60% dos combustíveis fósseis, 80% dos metais brutos e 75% do papel e emitem 90% dos resíduos perigosos; há 158 indivíduos bilionários, 2 milhões de milionários e no outro extremo, 1,1 bilhão de pessoas que vivem abaixo da linha de miséria, com menos de 1 dólar por dia. Ver Athayde, Eduardo, in Ricos x pobres: visão ambiental integrada, in EM Ecologia, 16.11.2001.
1 - Tal processo histórico levou à presente situação, na qual 22% da população do planeta consomem 80% dos recursos, 75% da energia e 60% dos combustíveis fósseis, 80% dos metais brutos e 75% do papel e emitem 90% dos resíduos perigosos; há 158 indivíduos bilionários, 2 milhões de milionários e no outro extremo, 1,1 bilhão de pessoas que vivem abaixo da linha de miséria, com menos de 1 dólar por dia. Ver Athayde, Eduardo, in Ricos x pobres: visão ambiental integrada, in EM Ecologia, 16.11.2001.
Pesquisa e montagem de uma linha histórica sobre a
devastação do planeta no tempo causado por guerras ; isto é, desde quando a
humanidade começou a devastar o planeta e desde quando este processo foi
acelerado. Através de pesquisas, fotografias, entrevistas.
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