terça-feira, 10 de julho de 2012

PSICOPEDAGOGIA: SUPERANDO A FRAGMENTAÇÃO DO CONHECIMENTO E DA AÇÃO




Neide de Aquino Noffs

________________________________________

Causa-me perplexidade esta reação de ataque e não de diálogo do Conselho Federal de Psicologia. Já presenciei esta ação quando a própria Psicologia, ao diferenciar-se da Psiquiatria, exigiu respeito às suas ideias ao novo que emergia.

A Psicopedagogia é uma intersecção entre a Psicologia e a Pedagogia?

Não. Ela é um novo conhecimento que nasce a partir da intersecção, é a própria intersecção. Isso significa que tanto destas disciplinas, quanto de outras como: filosofia, linguística, etc, são selecionados conhecimentos específicos que colaboram na compreensão do objeto da Psicopedagogia (que é o processo de aprendizagem, como se constrói o conhecimento) desta forma, quem fez curso específico de Psicologia, e de Pedagogia, não encontrará necessariamente a Psicopedagogia.

Ela é uma ação que nasce deste conhecimento interdisciplinar, mas esta ação é voltada para subsidiar o sujeito cada vez mais em sua própria aprendizagem, neste sentido, o processo de aprendizagem é que é estudado criteriosamente pela Psicopedagogia, bem como as dificuldades dela decorrentes.

Qual o objeto de estudo da Psicopedagogia?

O objeto de estudo é o processo de aprendizagem, o processo utilizado pelo sujeito enquanto construtor de seu conhecimento. Algumas pessoas ao estudarem aprendizagem entendem que o contrário da aprendizagem é a dificuldade da aprendizagem, mas não entendo desta forma, o contrário da aprendizagem é a não aprendizagem.



As causas da não aprendizagem podem ser de três naturezas distintas:

a. Não aprenderam porque não passaram por um processo sistemático de ensino;

b. Foram ensinadas, mas por algum motivo externo ao sujeito (didática do professor, filosofia da escola, número de alunos por classe, problemas sociais, culturais, etc.), não aprenderam;

c. Finalmente não aprenderam por dificuldades individuais específicas (orgânicas e emocionais).

Cabe ao psicopedagogo inicialmente diferenciar as situações facilitadoras/dificultadoras pelas quais as pessoas passaram resgatando seu processo (incluindo na história de vida a aprendizagem) Exemplo: Como andou? Como falou? Como se adaptou à escola? Como reagiu frente às tarefas escolares... Posteriormente identificar o quando e o porquê.

Qual o profissional que estaria qualificado no mercado de trabalho para atuar no processo da aprendizagem?

No curso de formação em Pedagogia, a prioridade está nas atividades de ensino, neste sentido a pedagogia está ligada à docência e posteriormente aos especialistas em educação (orientador educacional, orientador pedagógico, administrador escolar).

No curso de formação em Psicologia, a prioridade está no conhecimento das teorias psicológicas explicando o sujeito em detrimento às teorias de ensino.

As duas formações geram uma necessidade de uma complementação, de um aprofundamento, partindo da articulação de como ocorre o processo de aprendizagem sem deslocar do seu contexto real. Entendo a articulação como a não fragmentação do conhecimento e da ação nos modelos vigentes.

Neste sentido, surgem um novo conhecimento e um novo profissional, com uma nova atuação que não pode ser a justaposição de conhecimentos e ações, e sim, articulação e adequação à situação vivida. Não cuidar desta nova atuação, como nova profissão, implica em correr riscos no exercício desta atividade, assim a Psicopedagogia deverá ser normalizada e legalizada, dentro destes princípios.

Este conhecimento e atuação só podem ser propostos em um curso de formação em nível de pós-graduação, onde a meta é propiciar a transferência para a sociedade destes conhecimentos construídos cientificamente.

Além desta, devemos acrescentar que o psicopedagogo emerge de um grupo de profissionais que já tenham uma experiência advinda de áreas afins. A psicopedagogia inicialmente se apresentou como uma especialização que influenciou a própria mudança da Educação, conforme Cezar Coll (entre outros) escreveu em seus livros. Com o passar do tempo, esta especialização gerou uma ação tão específica que só aquele que fez a psicopedagogia, é que pode exercer a psicopedagogia. Neste sentido, é que regulamentar esta profissão se faz essencial para garantirmos a redução de distorções da prática. O mercado já tem pedagogos e psicólogos qualificados, precisamos garantir psicopedagogos também qualificados através de formação e regulamentação da profissão.

Portanto, este profissional precisa ter uma sólida construção teórica, uma vivência significativa na realidade, conviver com o ambiente de produção de conhecimentos a partir de um comprometimento ético.

Há no mercado cursos que atendam essa especificidade?

A partir da nova LDB de nº 9394/96 houve uma abertura para novos cursos que atendessem à necessidade do futuro. É a responsabilidade de pessoas que no presente que propiciem a sobrevivência do homem em uma sociedade de mudanças.

Convivíamos antes da LDB com a resolução nº 12/83 que criava cursos de pós-graduação em nível de especialização e aperfeiçoamento que se destinavam à qualificação de docentes para o magistério superior e que tinham a duração mínima de 360 h não computando o tempo de estudo individual ou em estudo sem assistência docente.

Simultaneamente convivíamos com o curso de pós-graduação stricto sensu cuja intenção era o aprofundamento de um conhecimento de uma determinada área que culminaria na construção de novas idéias que beneficiassem a sociedade como um todo. Porém, em 16/12/98, foi criada a portaria nº 80 da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) para o aprimoramento de conhecimento ou técnicas de investigação científica, tecnológica ou artística, visando uma atuação mais dinâmica e efetiva no mercado.

Foi denominado de mestrado profissionalizante, uma vez que não implica na eliminação do mestrado anteriormente denominado acadêmico, sua intenção é desenvolver capacidades de concepção e elaboração de projetos, visando à área profissional garantindo a compreensão e resolução de problemas imediatos, porém direcionadas para o futuro.

Ou seja, a sociedade exige profissional, com perfis diferenciados e habilidades específicas para enfrentar um mercado diversificado e em constante renovação, neste sentido o psicopedagogo se apresenta como um dos que atendem a esta nova necessidade, o que justifica a sua formação em nível de pós-graduação. É o encontro da universidade com as exigências da sociedade. Neste encontro se exige do profissional, maturidade, experiência profissional mínima, e ter passado por um processo de aprendizagem reflexiva e consciente. Isto só é atingido num processo de interação, ação, atuação, e construção de conhecimento “útil” às pessoas.

Inicialmente a pós-graduação latu-sensu, com 360 h apenas, propiciava uma especialização sem a intenção de profissionalizar, porém a Psicopedagogia de forma intuitiva já propunha esta formação com uma carga horária e exigência acadêmica maior, aproximando-se das idéias envolvendo atualmente o mestrado profissionalizante.

Em minha compreensão a Psicopedagogia neste momento deveria fazer parte das pós-graduações em nível de mestrado e não em nível de lato-sensu, os cursos que trabalho já vivem isso há muito tempo.

Esta nova profissão estaria criando uma nova reserva de mercado?

É comum encontrarmos atualmente em cada família, uma pessoa que precise de apoio em seu processo de aprendizagem, estas famílias têm procurado psicopedagogos na tentativa de entender o que está acontecendo com seus filhos se afastando de “rótulos” precipitados.

O que buscam é o atendimento que facilite o retorno de seu filho ao processo de aprendizagem escolar e não mais subsídios familiares que protelam de forma muito significativa este retorno. A família não nega seu problema, porém ela espera o atendimento à escolaridade de seu filho reduzindo a repetência, a evasão, a troca de escola como soluções aos problemas escolares e a ajuda efetiva junto aos profissionais da escola e à própria família. O psicopedagogo participa ativamente em parceria com profissionais de diferentes áreas como: psicólogos, fonoaudiólogos, médicos, etc, sem perder a sua especificidade e nem utilizar instrumentos que são exclusivos de outras áreas como testes psicológicos.

Este atendimento ocorre em nível clínico e a regulamentação desta profissão permitirá a expansão deste atendimento às diferentes camadas sociais.

Nossas crianças empobrecidas têm este atendimento clínico junto aos cursos de formação em Universidades como: PUC de São Paulo, Faculdade São Marcos, UNI Santana, Universidade Potiguar, Instituto Sedes Sapienthiae, além de trabalhos específicos como em Brasília junto às Secretarias de Educação, etc.

Esta profissão cria um novo mercado de trabalho e não uma reserva, visto que já há mais de 30 anos os psicopedagogos atuam.

Como Doutora em Educação, como entende esta reação do Conselho Federal de Psicologia, quando ataca veementemente a questão da profissionalização do psicopedagogo?

Causa-me perplexidade esta reação de ataque e não de diálogo.

Já presenciei esta ação quando a própria Psicologia, ao diferenciar-se da Psiquiatria, exigiu respeito às suas ideias ao novo que emergia.

Cuidar do sujeito psíquico não poderia ser exclusividade de psiquiatras e sim de parceria entre psiquiatras e psicólogos.

O conhecimento psicológico é inicialmente retirado da psiquiatria e nem por isso se confundia, ou invadia campos. Surgia um novo fazer que na opinião (inicial) dos psiquiatras era inconsistente, pois lidar com o sujeito psíquico requeria lidar com patologias e medicamentos apropriados, abrir mão deste fazer significaria não favorecer a cura do sujeito, protelar a solução...Psiquiatras aceitaram os argumentos dos psicólogos.

Várias escolas preferem profissionais formados em psicopedagogia. Legalizar esta profissão amplia o mercado de trabalho para pedagogos e psicólogos que convivem harmoniosamente no momento da formação. Não aceito os argumentos que o fazer psicopedagógico deveria acontecer naturalmente na ação dos professores. Lido com eles a mais de 30 anos, e este conhecimento não fragmentado, ainda não chegou com esta força, pois a tendência (psicologizar ou pedagogizar), ocorre.

Só uma formação específica gera um fazer específico.

Por que não um profissional específico?

Respeito o Conselho Federal de Psicologia quando “Cuida da Profissão de Psicólogo”, porém não aceito a posição de exclusão do psicopedagogo no mercado de trabalho.

Há no Brasil por volta de 20.000 profissionais em efetivo exercício, deixemos que a sociedade decida a quem recorrer em caso de assuntos envolvendo a aprendizagem.

“O psicopedagogo é o profissional do novo milênio”

________________________________________

Neide de Aquino Noffs - Doutora na área da Educação pela Universidade de São Paulo, com tese na área da Psicopedagogia; Docente na PUC/SP e na Universidade São Marcos; Assessora e docente do curso de Psicopedagogia no Rio Grande do Norte - UNP; Assessora em instituições escolares nos Estados de São Paulo, Goiás, Rio Grande do Norte, Mato Grosso do Sul; Presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia - gestão 95-96/97-98.

Nenhum comentário: