Medicina Indígena: da Magia à Cura
"Você vive outro tipo de
realidade quando cresce lá fora, no meio da floresta, ao lado dos pequenos
esquilos e das grandes corujas. Todas essas coisas estão ao seu redor como
presenças, representam forças, poderes e possibilidades mágicas de vida que,
embora não sejam suas, fazem parte da vida e lhe franqueiam o caminho da vida.
Então você descobre tudo isso ecoando em você, porque você é natureza."
A
lagoa-apache, Edward s. Curtis (1868-1952)
De maneira geral, entre os índios, nas mais
diversas aldeias, o tratamento e a cura de doenças é feita pelos pajés, através
de práticas mágicas. Segundo a crença dos indígenas, esses poderes podem ser
usados para curar doenças como também para provocá-las, razão pela qual é comum
atribuir a origem de doenças aos feitiços.
Os processos de cura variam entre os grupos
indígenas. Os Xamãs, por exemplo, são uma categoria especial de médico-pajé,
que podem entrar em êxtase. Nesse estado, segundo os índios, a alma vai para
longe do corpo, percorrendo lugares distantes ou encarnando um espírito
estranho.
Dentre os índios, de acordo com Alan Suassuna, que
escreve no site sobre o povo Yanomami, o Xamã é o líder espiritual, o
intermediário entre os homens e os espíritos, que, durante rituais de cura
cheira um pó alucinógeno que, acreditam, "abre" a floresta para os
"Xapori", entidades que auxiliam os Xamãs nos rituais de cura.
Segundo Joseph Campbell, em seu livro "O poder
do mito", "O xamã é uma pessoa, homem ou mulher, que, no final da
infância ou no início da juventude, passa por uma experiência psicológica transfiguradora,
que a leva a se voltar inteiramente para dentro de si mesma. É uma espécie de
ruptura esquizofrência.
O inconsciente inteiro se abre, e o xamã mergulha
nele. Encontram-se descrições dessa experiência xamãnica ao longo de todo o
caminho que vai da Sibéria às Américas, até a Terra do Fogo".
Para que se entenda mais de medicina indígena, é
preciso mergulhar um pouco em seus mitos e rituais, uma vez que toda a sua
cultura influencia sua saúde e a forma como lidam com seus corpos. No ritual de
morte, por exemplo, os índios colocam o corpo pendurados em árvores.
Após algum tempo, quando o corpo já se decompôs,
eles recolhem os ossos e cremam. Em rituais familiares os parentes misturam um
pouco das cinzas ao mingau de banana e tomam. O restante é enterrado no mesmo
lugar onde fizeram o fogo. Estes são outros indicativos das crenças mágicas dos
indígenas.
Segundo o Dr. Rafael Valdez Aguiar, doutor em
medicina e história, a medicina indígena, assim como muitas outras medicinas
alternativas, tem muito a ver com a sugestão da pessoa, já que para que a
pessoa adoeça ou se cure com recursos mágicos devem cumprir-se três aspectos:
que o indivíduo creia, que a pessoa que o vai curar ou adoecer também creia, e
que além disso, a sociedade em seu conjunto também creia.
Conforme escreveu Dorangélica de la Rocha, no
jornal El Debate, do México, antes mesmo da chegada dos espanhóis, os índios já
operavam catarata. Outras enfermidades graves eram curadas com recursos
mágicos. A medicina dos indígenas é um milagre, uma magia.
Atualmente, a medicina indígena é um recurso para a
cura de enfermidades graves, quando foram esgotados os recursos científicos,
porque lida, principalmente, com a fé. Assim como muitas outras medicinas
alternativas. Isso tudo não quer dizer que várias das ervas usadas pelos pajés
e xamãs sejam descartadas pela medicina tradicional, pois muitas delas possuem
princípios químicos ativos que, inclusive, vêm sendo objeto de pesquisa
científica e que já compõem vários dos remédios que vamos procurar em farmácias.
Ninguém duvida, também, que a prática de exercícios
físicos, dieta equilibrada, ausência de estresse e drogas, contribua para uma
qualidade de vida melhor e que resulte em um estado de saúde, genericamente,
melhor do que o do homem urbano.
O fato é que muitas das doenças com que lidam os
índios em suas tribos são contornadas por sua prática médica. E muitas outras,
desconhecidas por eles, os levam à morte. Não é de se admirar que a expectativa
de vida indígena seja tão mais baixa do que a do homem urbano, que conta com os
recursos de grandes hospitais e toda a alopatia dos grandes laboratórios.
Eficientes
No entanto, para Rafael Valdés Aguilar, doutor em
medicina e história, antes da chegada dos espanhóis a medicina era sim
eficiente, e resolvia boa parte dos problemas de saúde da população indígena do
México. Segundo ele, a medicina é uma parte muito importante da cultura e o
motivou no estudo dos grupos indígenas Sinaloenses.
Após anos de estudo e estando pronto para publicar
o livro "Medicina prehispánica en Sinaloa y en el noroeste", Rafael
Valdés Aguilar afirma que a cultura indígena sinaloense realmente é pouco
conhecida.
Professor da Escola de Medicina da Universidad
Autónoma de Sinaloa (UAS), Valdés menciona que a medicina daqueles tempos não
era uniforme. Explica que era uma medicina eminentemente mágica, embora
contendo importantes elementos religiosos e empíricos. As religiões no noroeste
do México eram muito elementares, o que torna ainda mais evidente o componente
"magia" no tratamento das enfermidades.
Valdés complementa dizendo que os povos indígenas
já conheciam mais de duas mil plantas medicinais e eram capazes de realizar
operações e cuidar de fraturas ósseas. Tinham, ainda, técnicas mais avançadas
de obstetrícia do que as da Europa, à época. De acordo com o professor, pode-se
dizer que a medicina indígena é uma das expressões culturais que mais se
mantém, desde essa época.
O doutor insiste que a medicina indígena era mais
adiantada do que a européia, nos idos de 1400, ou seja, antes da chegada dos
espanhóis nas Américas. Segundo Valdés, os índios podiam mesmo curar até
enfermidades graves, como a sífilis. Todavia, hoje em dia, há recursos médicos
muito melhores, assim, as práticas indígenas e a medicina natural, segundo o
autor, estão fora de moda.
Além disso, Valdés acrescenta que a medicina
natural é cara, pois há uma forte indústria de produtos naturais que determina
os preços. Ele afirma ainda que, na medicina indígena, como em todas as outras,
há muitas formas de charlatanismo. Da mesma forma, indica que os médicos
científicos são preconceituosos sobre a medicina indígena, pois a desconhecem,
porque está claro, para ele, que estuda seriamente os recursos curativos
indígenas, que estes eram eficientes e, em alguns casos, seguem sendo.
Rafael cita algumas das substâncias usadas pelos
índios: Cardon, com múltiplas propriedades medicinais. Aguacate, contra a
caspa. Alcanfor, eficaz contra contusões e reumatismos. Cacao, tônico para o
estômago. Calabaza, contra queimaduras e irritações cutâneas. Capulin, para o
sistema nervoso, entre outros.
Os Índios Plains e as práticas modernas da medicina
Em novembro de 1998, no Museu da Universidade da
Pensilvania, no pavilhão Jonathan Rhoads, houve uma exposição, onde foram
exibidas fotos e textos sobre os índios. Dentre os materiais expostos na
universidade, havia várias referências à prática médica dos índios.
De acordo com os materiais da exposição, as atuais
crenças do sistema de saúde dos Índios Plains reflete uma mistura de tradições
indígenas e práticas médicas modernas. Tradições e ritos, além de conhecimentos
da medicina das ervas estão presentes. No estado americano de South Dakota, há
o Hospital Traig Ht Clinic que é de medicina indígena.
Há círculos de medicina, onde os mais velhos transmitem
experiências e conhecimentos aos mais jovens. Usa-se um cachimbo e há
inscrições como: "Tabaco. Ele nunca 'significou' para ser abusado".
Outro tratamento comum entre os Plains é a idéia de
bem estar. Podendo ser definido como um estado onde a mente, o corpo e o
espírito estão em conexão e "balanceados". Um não pode ser separado
do outro. Os Oglala Sioux são os mais tradicionais de todos os Índios Plains.
Eles sempre trabalharam com as práticas e crenças de saúde desde o passado até
o presente.
Para eles as doenças indígenas são causadas pela desarmonia entre
humanos e os poderes sobrenaturais. Essas doenças devem ser tratadas pelas
práticas nativas, não pela dos "homens brancos", que servem para
curar as doenças dos homens brancos, como a diabetes e os problemas cardíacos.
Traduz-se aqui uma prática muito mais "holística" em relação à
medicina do que a tradicional e compartimentada medicina ocidental moderna.
Ervas e Medicamentos
De acordo com a FUNAI, Fundação Nacional do Índio,
muitos vegetais usados pelos indígenas como medicamentos apresentam de fato
resultados surpreendentes e, os conhecimentos técnicos, muitas vezes complexos,
dos índios brasileiros, estão presentes tanto no combate às doenças, quanto na
caça e na pesca (através da utilização de venenos), na ecologia, na astronomia,
na fabricação de sal, de objetos de borracha, de tecidos e na guerra (uso de
gases asfixiantes).
O Estado do Acre possui mais de 200 espécies de
plantas medicinais catalogadas. Os habitantes da floresta sabem como utilizar
toda a riqueza e as potencialidades das plantas. São bastante difundidos na
região os medicamentos caseiros, que se utilizam das ervas e plantas da
Amazônia como matéria-prima. Cosméticos são preparados à base de óleo de
copaíba, e o pau rosa é utilizado na fabricação de fixadores de perfumes e
essências.
Anualmente, a prefeitura de Rio Branco promove, em
conjunto com várias entidades, a Feira de Produtos da Floresta do Acre - FLORA
-, com o objetivo de divulgar estudos e pesquisas sobre os produtos florestais
não madeireiros, criar mercados para os produtos da região, estimular seu
consumo e atrair investidores.
Segundo informações do núcleo Amazon Trade, que
estuda a cultura e os costumes da Amazônia, as ervas e a fitoterapia
(medicamentos preparados a base de plantas, através de chás, infusões) são
recursos muito utilizados pela população local e pelos índios. Como exemplos
desses produtos, pode-se citar:
Pó de Guaraná, usado como tônico estomáquico,
estimulante, contra distúrbios gastrointestinais, diarreias. Ativa as Funções
cerebrais e combate a arteriosclerose, as nevralgias e as enxaquecas, detém as
hemorragias atua como calmante para o coração.
Óleo de Copaíba, utilizado por suas propriedades
medicinais, no combate aos catarros vesicais e pulmonares, desinterias,
bronquites.
Óleo de Andiroba, potente cicatrizante,
anti-inflamatório.
Casca de Açoita Cavalo, contém óleos essenciais que
atuam frente as disenterias, hemorragias, artrite, reumatismo, tumores,
colesterol e Hipertensão.
Catuaba, tônico energético usado no tratamento de
cansaço físico e sexual, insônia, nervosismo, falta de memória. Possui, ainda,
propriedades anti-sifilíticas.
Semente de Sucupira, energético, anti-sifilítico,
contém alcalóides empregados no tratamento de febres, reumatismo, artrite,
inflamações, dermatoses.
Casca de Barmitão, potente anti-hemorrágico,
anti-inflamatório.
Casca de Murapuama, tônico neuro-muscular,
afrodisíaco, utilizado contra fraquezas, gripes, impotência, reumatismo
crônico, etc.
Saracura-mirá, energético, usado no tratamento de
cansaço físico, sexual, insônia, nervosismo, falta de memória.
Casca de Assacu, usado no combate às inflamações em
geral, ulcerações, tumores.
Semente de Cumaru, propriedades medicinais que
atuam reconstituindo as forcas orgânicas debilitadas, como tônico cardíaco.
Casca de Caroba, contém uma resina denominada
"Carobona", além de seu princípio ativo, o alcalóide
"Carobina". É diaforéticas (Cascas) e anti Sifilíticas (Folhas),
debela feridas e elimina inflamações da garganta, afecções da pele, coriza,
blenorragia, dores reumáticas e musculares, cálculos da bexiga.
Casca de Moruré, alivia as dores reumáticas,
artríticas e da coluna verbal, estimulante do sistema nervoso e muscular.
Amêndoa do Açaizeiro, fornece um óleo verde-escuro
bastante utilizado na medicina caseira, principalmente como antidiarreico. O
seu suco, de sabor exótico, possui grande valor nutritivo e contém altas
concentrações de ferro, sendo bastante usado no combate à anemia.
Além de todos os produtos acima citados, a região
norte do Brasil apresenta, ainda, outros derivados de plantas, como o Daime. De
origem indígena, apresenta propriedades calmantes, mas sabe-se também que é
pertencente à "família" dos perturbadores do sistema nervoso central,
ou seja, é alucinógenas, tanto quanto a maconha ou o LSD.
O Daime dá origem a uma seita chamada de
"Santo Daime". O chá é chamado Ayuwasca, obtido da mistura do cipó
jagube e da folhas da planta chacrona. Há várias comunidades na Amazônia que
cultuam o Santo Daime, reverenciando a mata, a floresta, Deus e a alegria. As
letras de seus hinos têm inspiração ecológica. Muitos renomados artistas e
pessoas públicas entraram para esta seita.
Copyright © 2003 Bibliomed, Inc. 09 de Junho de 2003
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