terça-feira, 25 de outubro de 2016

O segredo do Ideb





Como o principal indicador educacional brasileiro pode ajudar as redes a fazer o diagnóstico do ensino oferecido para planejar ações e melhorar a aprendizagem

Marina Almeida
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Médias das avaliações dos primeiros anos do fundamental (4ª série) das escolas no Ideb, divididas por estado

As redes bem avaliadas pelo Índice de Desenvolvimento da Educação (Ideb) mostram que não há segredo para o bom desempenho. Cajuru, no interior do Estado de São Paulo, conseguiu a maior nota do país no Ideb (8,6) com formação de professores, investimento em infraestrutura, envolvimento de todos, avaliação constante e acompanhamento do ensino, além de 30% da verba destinada à educação (e não só os 25% exigidos por lei). Já a média brasileira entre os alunos da 4ª série foi de 4,6 - aumento de 0,4 em relação a 2007.

Não é por acaso que a segunda colocada no índice também reserva 30% do orçamento para a educação. Claraval (MG) dobrou sua nota no Ideb entre 2007 e 2009, passando de 4,3 para 8,2 com investimento nos professores, no atendimento aos alunos com dificuldades e avaliação dos resultados. "Em geral, as boas notas no Ideb estão relacionadas aos recursos e ao foco na aprendizagem", diz Ocimar Munhoz Alavarse, da Faculdade de Educação da USP. O professor participa de uma pesquisa que analisa os maiores Idebs e as maiores variações no Ideb de municípios com mais de mil alunos de três estados brasileiros para avaliar as ações que desenvolvem.

Ainda que os recursos do município dependam mais da sorte, a gestão dessas redes merece atenção. O acompanhamento, seja a partir das notas dos alunos pelas secretarias ou com avaliações da rede envolvendo as escolas e os professores, é um dos principais pontos. "Raramente há um registro individualizado dos alunos desde que entraram na rede, mas isso permitiria ver sua evolução", ressalta Alavarse.

Incentivar a continuidade dos profissionais é outra questão central. "Uma equipe estável consegue adaptar as propostas à sua realidade e pode fazer um planejamento em longo prazo", defende o professor. Para garantir a estabilidade, ele sugere mecanismos como um plano de carreira diferenciado para as escolas mais difíceis. Destaca, ainda, a importância de acompanhar os alunos com muitas faltas, oferecer reforço e apoio aos que precisam de atendimento especializado. É o que acontece em Cajuru, onde desde o ano passado funciona o Centro de Atendimento Educacional (CAE), que conta com psicólogos, pedagogos e fonoaudiólogos para os alunos que precisam desse tipo de acompanhamento.

Outro mecanismo da rede paulista é a Ouvidoria da Educação, que vai à casa do aluno caso ele tenha muitas faltas ou apresente algum problema e os pais não compareçam à escola. Quando necessário, o órgão encaminha os alunos ao CAE, ao atendimento de saúde, à promoção social ou ao Conselho Tutelar. Cajuru também avalia bimestralmente os alunos para permitir que os estudantes com mais dificuldades recebam o reforço necessário durante todo o ano letivo.
A secretária de Educação do município, Isabel Ruggeri Ré, destaca o envolvimento de pais e professores nas ações da rede como resultado das ações desenvolvidas em equipe. "Eles veem que há seriedade, não fazemos perseguição a funcionários de outros grupos políticos (o que costuma acontecer) e semanalmente realizamos uma qualificação com os professores por série. Também oferecemos cursos de pedagogia a distância, em parceria com um sistema de ensino, para quem não possui graduação", diz. Isabel ressalta também a infraestrutura das nove escolas municipais, todas reformadas e com salas de cinema que recebem pais e alunos para sessões de filmes.
Avaliação diagnóstica
"O Ideb pode ser um ponto de apoio para apontar deficiências e ajudar a rede a desenvolver sua proposta, ainda que o índice tenha limitações, como não apontar os resultados por aluno", diz Alavarse. Para Maria do Pilar Lacerda, secretária de Educação Básica do MEC, o primeiro passo das redes ao receber os dados do Ideb deve ser analisar qual o impacto do desempenho e o do fluxo (leia-se evasão e reprovação) naquela nota. "Um segundo ponto importante é ver se o desenvolvimento das escolas do município é semelhante, se há disparidades entre escolas que atendem o mesmo perfil de alunos", explica a secretária. Garantir que professores e diretores entendam a Prova Brasil e suas exigências também permite que eles avaliem com seus alunos os pontos fortes e o que precisa ser reforçado.

O envolvimento e a discussão com a comunidade sobre os resultados e desafios apontados pelo Ideb é outra questão fundamental. "Os pais precisam entender o índice, não como número frio, mas contextualizado sobre como a nota foi formada, se ela, apesar de baixa, por exemplo, representa um aumento considerável em relação aos anos anteriores", diz a secretária. Por isso, esses dados devem ser usados para provocar a reflexão e o planejamento das ações a partir de uma noção mais exata da situação da rede. "Os bons resultados aparecem quando os gestores entendem os resultados e desenvolvem projetos pedagógicos a partir disso."
Envolvimento
É por meio de dois fóruns anuais que Boa Vista do Tupim, na Bahia, discute ações e metas com a comunidade. Os objetivos para os quatro anos da administração são definidos a partir das questões enumeradas pela sociedade. Com 20 mil habitantes, o município da Chapada Diamantina, que sobrevive da agricultura de subsistência e de recursos governamentais, apresentou o maior Ideb do estado em 2007 e 2009, obtendo 4,8 e 5,8 respectivamente - apesar do baixo resultado de 2005: 2,2. Isso numa rede de mais de 5 mil alunos divididos em 45 escolas, 37 delas rurais.

O secretário de Educação, Vespasiano Pimentel de Sá, credita a boa avaliação às medidas de formação, reforço no contraturno e valorização dos profissionais. Semanalmente os professores passam por uma formação continuada com o coordenador, além de terem quatro horas remuneradas para o planejamento das aulas. A cada 15 dias o coordenador pedagógico acompanha o professor em sua aula, que muitas vezes é filmada, para o docente visualizar suas lacunas ou para que um bom modelo possa ser socializado com os demais. "Como o coordenador está sempre presente, o professor sente que seu erro é também de toda a equipe", defende Sá. Ainda são realizadas oficinas pedagógicas mensais de cada disciplina. Já diretores recebem preparo sobre questões administrativas e pedagógicas quinzenalmente enquanto os coordenadores têm formação semanal com o coordenador-geral, que é capacitado pelo Instituto Chapada de Educação e Pesquisa.

"Conscientizamos o professor de que a reprovação não é sinônimo de boa educação. Hoje aumentamos as aprovações, mas com qualidade", explica o secretário. Além do plano de carreira e do estatuto do servidor, o município estimula a graduação dos professores por meio de parcerias com universidades da região e da Plataforma Freire, do MEC. Quatro vezes por ano também é feito um levantamento dos alunos com deficiências de aprendizagem, que frequentam aulas de reforço no contraturno.
Educadores
Valorizar o educador é, aliás, uma das principais ações para melhorar a educação, acredita Estela Bergamin, gerente de Projetos Sociais do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). "É a valorização do professor, com melhores condições de trabalho, bons salários, plano de carreira e formação em serviço, que atrairá talentos para a área", diz. O gestor pode fazer a diferença ao garantir que os professores tenham tempo para se reunir com os pais, com seus pares e coordenadores. "Educadores experientes que orientem os novatos também são muito importantes, pois, muitas vezes, sua maior dificuldade está em lidar com os jovens."

"A escola não pode tudo, mas devemos nos perguntar se está fazendo tudo que pode", questiona Estela. Abrir as unidades para outras políticas sociais e realizar parcerias com as secretarias de saúde, esporte e cultura são formas importantes de atender os alunos vulneráveis que a escola recebe. Ela também recomenda que os alunos possam frequentar aulas de recuperação durante o ano, ainda que com outro nome, que não os estigmatize. Com esse propósito, em Claraval (MG) foi criado o plantão pedagógico - reforço durante o horário escolar, para poder atender os alunos da zona rural também, que funciona como aula particular para os estudantes com mais dificuldades.
O índice do Brasil
O Ideb brasileiro alcançou as metas para 2009, apesar do baixo crescimento do ensino médio. Nos primeiros anos do ensino fundamental a nota média, numa escala de 0 a 10, passou de 4,2 em 2007 para 4,6 (que era a meta de 2011). Nos anos finais do fundamental, a nota passou de 3,8 para 4, também superando a meta de 3,7. Já no ensino médio o crescimento foi menor: o Ideb passou de 3,5 para 3,6 em 2009, ainda que tenha atingido a meta de 3,5. Ao analisar as notas vemos que as diferenças regionais pesam. As maiores médias entre os alunos da 4ª série do fundamental ficaram com os municípios da região Sudeste, parte da Sul e do Distrito Federal. Por outro lado, são os estados do Norte e Nordeste do país que apresentaram as piores notas.

Para Maria do Pilar Lacerda, do MEC, o resultado mostra um aumento consistente dos índices educacionais, e o baixo crescimento do ensino médio é fruto do descaso com essa etapa até o início da década. "Não havia financiamento, transporte, merenda, material didático, programas que hoje foram estendidos para o médio. O novo Enem também estimula um currículo diferente, antes muito pautado pelos vestibulares. Essas medidas e a melhoria da base devem fazer a diferença nos próximos anos", acredita. O Ideb é calculado a partir da taxa de aprovação e do desempenho na Prova Brasil, para escolas e municípios, ou no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) no caso dos estados e nacional. Mas escolas rurais com menos de 20 alunos por turma não participam das avaliações.

O crescimento no Ideb se deu mais por uma melhora no rendimento que no fluxo. Na primeira fase do fundamental, por exemplo, o aumento das notas dos estudantes responde por 71,1% do acréscimo no Ideb enquanto a aprovação é responsável por 28,9%
da evolução.

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